- A natureza da religião em Marco Terêncio Varrão. Marco Terêncio Varrão, que nasceu no ano 116 e faleceu no ano 27 antes de Cristo, afirmava a existência de três modalidades teológicas: a teologia mítica, que é a que corresponde aos poetas; a teologia física ou natural, de que se ocupam os filósofos ou cientistas quando indagam sobre a realidade; e a teologia civil ou política, que é a que se refere à prática religiosa, ou seja, ao modo como os povos decidem prestar culto aos seus mitos e heróis.
A religião é, nesta perspectiva, o objecto da teologia civil ou política, mas nada tem que ver com a doutrina dos filósofos ou o saber dos cientistas. Aos sacerdotes não se pede que digam o que as coisas são, mas o que se deve fazer para o bem comum. Chega-se assim ao paradoxo de a religião nada ter que ver com Deus e o conhecimento de Deus (ou do mundo, de que Deus seria a alma) nada ter que ver com a religião. Mas esse Deus que a teologia natural conhece e estuda é apenas algo, mas não é ninguém: é fogo ou água, são átomos ou números, ou quaisquer outros elementos da natureza, mas nunca um ser pessoal, com o qual seja possível estabelecer uma relação. - O Cristianismo, «religio vera». Já na tradição da patrística do século II se observa que a religião cristã não é encarada pelos próprios padres apologistas como mais uma religião, um novo mito ou uma mais perfeita simbologia poética, mas como uma nova teologia física, ou seja, uma nova explicação «científica» e «filosófica» da realidade. Por isso, mesmo sem negar a cultura judaica como seu antecedente, o Cristianismo considera-se também herdeiro da ilustração filosófica grega, em que se baseia mais do que nas antigas religiões. Aliás, não há contradição entre essas duas tradições: o monoteísmo bíblico tinha sido de algum modo antecipado pelos filósofos gregos, que chegaram também, por via filosófica, à necessidade de um ser criador, um primeiro Motor.
É neste sentido que, desde os seus inícios, o Cristianismo se apresenta como sendo a verdadeira religião, a «religio vera»: não se baseia em mitos, nem obedece a exigências de ordem política, mas apenas e só no conhecimento. A fé cristã converteu, por assim dizer, a ilustração em religião, adora o «Deus real», vence os mitos e afirma a vitória do conhecimento e, portanto, da verdade, sendo por este motivo universal, não como uma religião que é o estandarte de um povo ou de uma cultura, mas como a verdade que suplanta a aparência, como a luz que desvanece as trevas.
A este propósito, é significativo recordar que os primeiros cristãos foram condenados não por terem outra religião, mas por não terem nenhuma, ou seja, por serem «ateus»! Foi por essa razão que foram considerados inimigos do Estado e martirizados: a sua falta de veneração «religiosa» às autoridades constituídas foi entendida como um acto de desobediência e até de rebeldia.
2. O Cristianismo como teologia física ou natural.
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