- Introdução.
Depois de diagnosticada a situação actual da fé cristã, propõe-se abordar mais sistematicamente a questão da verdade do Cristianismo, ou seja, em que sentido se pode ou deve afirmar que a fé cristã é verdadeira.
É patente a pretensão cristã de não ser apenas mais uma religião entre muitas, mas a religião verdadeira, a «religio vera»: é neste sentido que a Igreja Católica se afirma universal e apta para proporcionar a salvação a todos os homens.
A razão não é necessariamente a única via de acesso ao divino, na medida em que também pelo sentimento se tem procurado chegar à experiência do transcendente. Assim sendo, procurar-se-á esclarecer em que medida a fé, a razão e o sentimento interagem na procura de uma nova evidência religiosa. - A fé entre a razão e o sentimento.
- O estado da questão: a esquizofrenia da modernidade. Não é fácil resolver, em poucas palavras, a complexa relação entre a fé e a razão. A. Einstein não tinha especial dificuldade em admitir a existência de Deus, como também Max Planck afirmava a inexistência de qualquer contradição entre a ciência e a religião, na medida em que, segundo este físico, operavam em âmbitos separados: enquanto a ciência tem por objecto determinar o que é verdadeiro ou falso, a religião trata do bem e do mal, dos valores que orientam a existência. Em sentido análogo, W. Heisenberg afirma que a fé religiosa é a expressão de uma decisão subjectiva, pela qual o homem estabelece os valores em virtude dos quais quer orientar a sua vida e pautar o seu comportamento. Mas, se Max Planck considerava que a sua opção pelo Cristianismo não tinha qualquer transcendência no âmbito do conhecimento científico, W. Heisenberg, pelo contrário, entendia que não seria aceitável um tal divórcio entre o saber e o crer. É neste sentido que se procura ultrapassar o que muito propositadamente se considerou a «esquizofrenia da modernidade», ou seja, a radical separação entre o conhecimento científico e o moral.
- A religião da razão. Ante o fenómeno das guerras de religião, a Ilustração propõs-se criar uma religião fundada na mera razão humana, na expectativa de assim conseguir superar as divisões provocadas pelos diversos credos religiosos. Contudo, este ambicioso projecto não vingou, na medida em que não foi capaz de oferecer à humanidade um conjunto de evidências susceptíveis de fundamentar o agir moral. Como afirma Ratzinger, «a desintegração das religiões antigas e a crise do Cristianismo nos tempos modernos demonstram o seguinte: quando a religião não logra sintonizar com as certezas elementares de uma concepção do mundo e da vida, extingue-se».
- A religião do sentimento. Schleiermacher é o grande teórico deste novo conceito de religião, da qual nos oferece a seguinte definição: «a praxis é arte, a especulação é ciência, a religião é sentido do infinito e gosto por ele». Ainda que seja lícito e até conveniente distinguir a religião da ciência, entende Ratzinger que a religião não pode ser reduzida a um mero nível sectorial, porque a religião existe precisamente para integrar o homem na totalidade do seu ser, para relacionar o entendimento, a vontade e o sentimento e responder ao desafio da vida e da morte, do eu e da comunidade, do presente e do futuro, do homem e do mundo.
- Razão e sentimento. Um sintoma da crise do pensamento contemporâneo radica precisamente na falta de comunicação entre o âmbito objectivo e subjectivo, ou seja, na distância que separa a razão do sentimento. A razão é capaz de chegar por si mesma a algumas certezas, mas não consegue alcançar, apenas pelas suas próprias forças, as respostas fundamentais, como se verificou pela falência de uma religião meramente racional, tal como a entendiam e propuseram os filósofos da Ilustração.
- Fé e razão. Uma característica da cultura contemporânea é uma certa hipertrofia do conhecimento tecnológico e pragmático, em detrimento do saber filosófico e do conhecimento relativo aos fundamentos.
No que respeita à religião, observa-se uma grande procura da transcendência, enquanto instrumento de poder e de satisfação, mas desvinculado da razão: procura-se o irracional, o supersticioso, o mágico, que são formas mórbidas do fenómeno religioso. Também no islão se observa esta tendência e, por isso, corre o perigo de se apoiar apenas nos sentimentos e paixões e ficar por isso desprovido da força da razão.
A fé e a razão estão chamadas a um entendimento recíproco porque, caso persista o seu actual divórcio, ambas se dissolverão. Como escreve J. Ratzinger: «Não se trata de salvaguardar os interesses das antigas corporações religiosas. Trata-se de [salvar] o homem, [salvar] o mundo. E é evidente que ambos não se podem salvar se não chegar a Deus de uma forma convincente».
A verdade não tem outra força que não seja a da sua convicção, nem a convicção se pode estabelecer se não é em função da verdade: há que procurar descobrir o caminho das convergências recíprocas que torna plausível a crença religiosa.
- O estado da questão: a esquizofrenia da modernidade. Não é fácil resolver, em poucas palavras, a complexa relação entre a fé e a razão. A. Einstein não tinha especial dificuldade em admitir a existência de Deus, como também Max Planck afirmava a inexistência de qualquer contradição entre a ciência e a religião, na medida em que, segundo este físico, operavam em âmbitos separados: enquanto a ciência tem por objecto determinar o que é verdadeiro ou falso, a religião trata do bem e do mal, dos valores que orientam a existência. Em sentido análogo, W. Heisenberg afirma que a fé religiosa é a expressão de uma decisão subjectiva, pela qual o homem estabelece os valores em virtude dos quais quer orientar a sua vida e pautar o seu comportamento. Mas, se Max Planck considerava que a sua opção pelo Cristianismo não tinha qualquer transcendência no âmbito do conhecimento científico, W. Heisenberg, pelo contrário, entendia que não seria aceitável um tal divórcio entre o saber e o crer. É neste sentido que se procura ultrapassar o que muito propositadamente se considerou a «esquizofrenia da modernidade», ou seja, a radical separação entre o conhecimento científico e o moral.
- Do judaísmo ao Cristianismo: a universalização da fé.
A fé de Israel estabelece a harmonia entre Deus e o mundo, a razão e o mistério e, ao mesmo tempo, proporciona uma instrução moral válida, ainda que limitada a um único povo, na medida em que todos os não judeus não podiam ser mais do que prosélitos. A universalidade – ou catolicidade – só será realizada com o Cristianismo, na medida em que a antiga relação genealógica com Abraão é superada na adesão a Cristo; os preceitos jurídicos e morais do Antigo Testamento são revogados pela nova Lei; e, por último, o culto antigo, localizado no templo de Jerusalém, é substituído pelo culto cristão, que é o sacrifício de Cristo, o verdadeiro culto espiritual, que já não está confinado a nenhum espaço ou condicionalismo humano. - Conclusão: a procura de uma nova evidência.
Deve-se entender a religião cristã como uma síntese entre a fé e a razão. Mas, de que modo se relaciona a religião cristã com o conhecimento em geral e, mais particularmente, com o saber científico?
O conhecimento científico parte do princípio de que a realidade está estruturada matematicamente e que pode ser conhecida pela experiência, que a teoria interpreta ou explica num momento posterior. Na medida em que nem toda a realidade pode ser objecto de conhecimento empírico ou como tal compreendido pela mente humana, tende-se a considerar como pré-científicas, ou não científicas, todas as questões que não são susceptíveis de uma estruturação matemática.
Ainda que este modo de proceder seja razoável em relação ao que é o objecto das ciências experimentais, não se pode contudo aplicar a toda a realidade, na medida em que não faz sentido que o homem não se questione racionalmente sobre o que é essencial à sua existência e não é susceptível de um estudo científico, porque também não é aceitável que questões dessa natureza se resolvam por via do sentimento. Sempre que a religião se desliga da razão cai em formas mórbidas e patológicas, como também a ciência desvinculada da religião, nomeadamente na sua vertente moral, pode conhecer práticas monstruosas.
A conclusão é evidente: é preciso libertar a razão da prisão em que o espírito científico moderno lhe impôs e, de certo modo, recuperar a dialéctica socrática, ou seja, a capacidade de nos interrogarmos sobre tudo o que é essencial, sem excluir nada, nem muito menos o mais além, sem outra condição que não seja a vontade de conhecer a verdade. A exigência metodológica não pode ser expressão de uma falsa modéstia que, na realidade, privaria o ser humano do valor necessário para alcançar a verdade, porque a ciência, mais do que vontade ou domínio, é sobretudo serviço à verdade.
Por último, como resposta à inquietante hipertrofia do homem exterior e inquietante atrofia do homem interior, há que reforçar a capacidade mística do ser humano.
7 de Maio de 2008
3.ª Conferência: Fé, razão e sentimento: A procura de uma nova evidência
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário