2. A fé entre a razão e o sentimento.

  • O estado da questão: a esquizofrenia da modernidade.

    Não é fácil resolver, em poucas palavras, a complexa relação entre a fé e a razão. A. Einstein não tinha especial dificuldade em admitir a existência de Deus, como também Max Planck afirmava a inexistência de qualquer contradição entre a ciência e a religião, na medida em que, segundo este físico, operavam em âmbitos separados: enquanto a ciência tem por objecto determinar o que é verdadeiro ou falso, a religião trata do bem e do mal, dos valores que orientam a existência. Em sentido análogo, W. Heisenberg afirma que a fé religiosa é a expressão de uma decisão subjectiva, pela qual o homem estabelece os valores em virtude dos quais quer orientar a sua vida e pautar o seu comportamento. Mas, se Max Planck considerava que a sua opção pelo Cristianismo não tinha qualquer transcendência no âmbito do conhecimento científico, W. Heisenberg, pelo contrário, entendia que não seria aceitável um tal divórcio entre o saber e o crer. É neste sentido que se procura ultrapassar o que muito propositadamente se considerou a «esquizofrenia da modernidade», ou seja, a radical separação entre o conhecimento científico e o moral.

  • A religião da razão.

    Ante o fenómeno das guerras de religião, a Ilustração propõs-se criar uma religião fundada na mera razão humana, na expectativa de assim conseguir superar as divisões provocadas pelos diversos credos religiosos. Contudo, este ambicioso projecto não vingou, na medida em que não foi capaz de oferecer à humanidade um conjunto de evidências susceptíveis de fundamentar o agir moral. Como afirma Ratzinger, «a desintegração das religiões antigas e a crise do Cristianismo nos tempos modernos demonstram o seguinte: quando a religião não logra sintonizar com as certezas elementares de uma concepção do mundo e da vida, extingue-se».

  • A religião do sentimento.

    Schleiermacher é o grande teórico deste novo conceito de religião, da qual nos oferece a seguinte definição: «a praxis é arte, a especulação é ciência, a religião é sentido do infinito e gosto por ele». Ainda que seja lícito e até conveniente distinguir a religião da ciência, entende Ratzinger que a religião não pode ser reduzida a um mero nível sectorial, porque a religião existe precisamente para integrar o homem na totalidade do seu ser, para relacionar o entendimento, a vontade e o sentimento e responder ao desafio da vida e da morte, do eu e da comunidade, do presente e do futuro, do homem e do mundo.

  • Razão e sentimento.

    Um sintoma da crise do pensamento contemporâneo radica precisamente na falta de comunicação entre o âmbito objectivo e subjectivo, ou seja, na distância que separa a razão do sentimento. A razão é capaz de chegar por si mesma a algumas certezas, mas não consegue alcançar, apenas pelas suas próprias forças, as respostas fundamentais, como se verificou pela falência de uma religião meramente racional, tal como a entendiam e propuseram os filósofos da Ilustração.

  • Fé e razão.

    Uma característica da cultura contemporânea é uma certa hipertrofia do conhecimento tecnológico e pragmático, em detrimento do saber filosófico e do conhecimento relativo aos fundamentos.

    No que respeita à religião, observa-se uma grande procura da transcendência, enquanto instrumento de poder e de satisfação, mas desvinculado da razão: procura-se o irracional, o supersticioso, o mágico, que são formas mórbidas do fenómeno religioso. Também no islão se observa esta tendência e, por isso, corre o perigo de se apoiar apenas nos sentimentos e paixões e ficar por isso desprovido da força da razão.

    A fé e a razão estão chamadas a um entendimento recíproco porque, caso persista o seu actual divórcio, ambas se dissolverão. Como escreve J. Ratzinger: «Não se trata de salvaguardar os interesses das antigas corporações religiosas. Trata-se de [salvar] o homem, [salvar] o mundo. E é evidente que ambos não se podem salvar se não chegar a Deus de uma forma convincente».

    A verdade não tem outra força que não seja a da sua convicção, nem a convicção se pode estabelecer se não é em função da verdade: há que procurar descobrir o caminho das convergências recíprocas que torna plausível a crença religiosa.

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